O agro gaúcho está pedindo socorro — e a resposta ainda não chegou
- patriciaiserhardt
- 20 de mai.
- 2 min de leitura
Já passamos do limite
O campo está gritando, mas pouca gente está ouvindo. O Rio Grande do Sul enfrenta a quarta estiagem severa em cinco anos, além de uma enchente. O que antes era exceção climática virou regra. A cada novo ciclo produtivo, o prejuízo se acumula. Famílias inteiras lutam para manter a dignidade, enquanto a conta não fecha. E não é de hoje.
O agro gaúcho não está resiliente. Está esgotado. E essa exaustão não aparece nos discursos políticos, mas se revela no silêncio de quem já não sabe como manter a produção, pagar as contas e proteger o que levou gerações para ser construído.
Os números que não aparecem nos palanques
Entre 2020 e 2024, o Rio Grande do Sul perdeu 40,6 milhões de toneladas de grãos, resultando em R$ 106,5 bilhões em prejuízos para os produtores. Só a soja representou uma perda de 12,6 milhões de toneladas, atingindo mais de 176 mil produtores. No milho, foram 4,4 milhões de toneladas a menos, com 175 mil impactados.
A situação segue crítica:
Em 2022, o PIB do estado caiu 2,6%, puxado por uma retração de 42,9% na agropecuária.
No 3º trimestre de 2024, a queda no setor agropecuário foi de 30,6% em comparação ao trimestre anterior.
Em contrapartida, o setor agropecuário nacional cresceu 15,1% em 2023. O contraste é brutal.
Enquanto isso, no ciclo 2024/2025, a quebra de produtividade em alguns municípios chega a 52% na soja, com produtividade média de apenas 26 sacas por hectare. No leite, a situação é igualmente crítica: perdas de até 30% na produção, causadas pela combinação de calor extremo, baixa umidade e forragem insuficiente.
A sucessão está ameaçada pela falta de presente
Como pesquisadora, me incomoda profundamente ver o abismo entre a teoria e a prática. Fala-se em inovação, ESG, gestão de riscos, sucessão — mas a realidade que chega até mim nas consultorias e nos estudos é outra:
Produtores vendendo rebanhos e máquinas para pagar dívidas.
Mulheres assumindo a gestão sem reconhecimento nem suporte.
Jovens desistindo do campo, não por falta de amor, mas por falta de perspectiva.
Pequenos produtores abandonando áreas por inviabilidade total de produção.
A sucessão não começa com a herança. Começa com a garantia de que vale a pena continuar. E hoje, muitos não veem mais sentido em seguir.
O agro gaúcho está ruindo em silêncio
Essa crise não é apenas econômica. Ela é estrutural, emocional e social.
Estamos assistindo ao desmonte silencioso da base que sustenta a economia brasileira. E o pior: com a naturalização da dor rural. Como se suportar o insuportável fosse virtude. Não é força. É exaustão.
Nenhuma política emergencial pontual resolve o que está podre na raiz: a ausência de prioridade para quem está com o pé no chão e a mão na enxada.
Eu escrevo esse texto como quem pesquisa o agro, mas principalmente como quem vive o agro. Não falo de cima. Falo do chão. E é desse lugar que afirmo:
A sucessão que eu defendo não é só jurídica ou patrimonial. É uma sucessão que cuida de quem produz. Que entende que sem presente viável, não há futuro possível.
O agro gaúcho está pedindo socorro. E ignorar isso é colocar em risco não só as famílias rurais, mas a segurança alimentar de todo o Brasil.



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